Cultura é relação: o movimento que nos torna humanos
Quando escutamos o que nos circunda, é o mundo que começa a falar dentro de nós.
Às vezes a gente se esquece de olhar ao redor.
Na correria do dia a dia, parece que cada um está preso no próprio caminho, tentando dar conta, resolver, seguir.
Mas se a gente para um pouco e observa com atenção, percebe algo sutil:
ninguém vive sozinho.
Mesmo sem perceber, estamos o tempo todo nos tocando, com palavras, gestos, olhares.
Há uma trama invisível entre as pessoas.
E é exatamente aí que a cultura acontece:
não nas grandes teorias, mas nos pequenos encontros.
A ideia de que a cultura é um movimento coletivo pode parecer abstrata à primeira vista.
Mas ela nos convida a perceber uma verdade simples e profunda:
não há ser humano isolado.
Cultura, em sua essência, é relação.
É o modo como um povo se move, se encontra, se escuta.
É a forma como compartilhamos o tempo, os gestos, as palavras, os rituais,
mas também os silêncios, os olhares e os sentidos que não cabem em palavras.
Essa cultura não nasce apenas de grandes instituições, governos ou tradições centenárias.
Ela começa em lugares bem menores, mas incrivelmente potentes:
na forma como olhamos quem está ao nosso lado.
Na maneira como escutamos alguém falando de si.
No gesto quase invisível de procurar quem nos circunda e perguntar, mesmo que em silêncio:
“quem é você nesse mundo que também é meu?”
Esse gesto é simples, mas revolucionário.
Porque quando procuramos quem está à nossa volta, estamos, na verdade, dizendo algo essencial ao mundo:
“eu existo na medida em que há vínculo.”
Ou seja: não basta existir biologicamente.
Viver, de verdade, é se permitir ser atravessado pelo outro.
É reconhecer que somos feitos de relações, com pessoas, com lugares, com histórias, com ausências.
Esse movimento de buscar o outro é, portanto, profundamente humano,
e também profundamente cultural.
Ele é o oposto da lógica que nos isola.
Que também é cultural.
É o contrário da cultura do desempenho individual,
da ideia de identidade como algo fechado em si, que precisa provar seu valor o tempo todo.
Na cultura do vínculo, o “eu” não desaparece.
Mas ele deixa de ser um centro isolado e passa a ser uma parte viva do “nós.”
E isso não acontece por submissão, mas por reconhecimento.
Por maturidade afetiva. Por consciência de que viver é entrelaçar.
Nesse sentido, os traços culturais de uma comunidade não se expressam apenas em danças típicas, festas populares ou artefatos simbólicos, embora tudo isso também tenha valor.
Eles se expressam, sobretudo, no modo como as pessoas se movem em direção ao outro.
Na escuta que se oferece.
No espaço que se cede.
Na presença que se compartilha.
O impulso de buscar quem nos cerca é o que mantém viva a cultura.
Porque é esse impulso que nos transforma e nos dá chão.
É o que nos impede de endurecer.
É o que nos lembra, mesmo nos dias mais solitários, que pertencemos a algo maior.
E o mais bonito:
esse tipo de movimento não pode ser forçado.
Ele nasce do desejo sincero de estar junto.
Da vontade de fazer parte.
Da compreensão de que não somos inteiros sozinhos,
e de que não há vergonha alguma em precisar do outro para se reencontrar.
Como sugerem pensadores como Merleau-Ponty, que via o corpo como um lugar de mundo compartilhado,
ou Emmanuel Levinas, que via no rosto do outro a origem da ética,
esse movimento de procurar quem está à nossa volta
também é um modo de nos encontrar de verdade.
Porque é nos olhos do outro que, muitas vezes, enxergamos o que sozinhos não conseguimos ver.
É na escuta do outro que nossas palavras esquecidas voltam a nascer.
É no gesto de caminhar junto que o sentido de existir começa a fazer mais sentido.
É na convivência que tudo o que parece não ter sentido encontra lugar.
É quando o amor nos convida para dançar, e aceitamos sem medo de errar o compasso.
Talvez a maior revolução que possamos viver hoje não esteja em grandes ideias ou soluções imediatas,
mas na maneira como escolhemos nos mover em direção ao outro.
Talvez cultura, no fim das contas, não seja outra coisa senão isso:
a arte de se reconhecer entre laços.
A coragem de buscar quem está perto.
E a sabedoria de permitir que esse encontro nos transforme.
Que não sejamos sozinhos! Gostei muito do texto!
Oi, Paulo. Eliel aqui! Achei muito legal esse teu texto, de verdade mesmo. Vou dar uma olhada na sua sessão mais tarde, assim que voltar da faculdade. Ontem estreei por cá, com o texto “Para um poema de Ocean Vuong #1”. Caso você goste de textos que falem e vivam o crescimento adolescente-adulto e alguns outros temas comuns a nós, como a morte e o abandono, te convido a dar uma passada lá a qualquer hora que puder! Abraços<3